quarta-feira, 25 de junho de 2008

Entre lagrimas e cotoveladas


Por: Daniela Name

"No lugar da Ave-Maria e do Pai-Nosso, uma cantilena de "Tempo perdido", "Eduardo e Mônica" e "Monte Castelo", repetida dezenas de vezes pelos fãs de Renato Russo na porta do crematório do Caju. Era uma manhã de sábado e O GLOBO era o único jornal que tinha chegado cedo, na esperança de entrevistaros outros integrantes do Legião Urbana ou alguém da família do compositor. "O Dia" e "O Fluminense" chegaram mais tarde, engrossando conosco o exército de repórteres de rádio e TV. Assistíamos à missa de corpo presente pelas frestas da parede e comungávamos uma certeza: nosso trabalho tinha acabado ali, na anotação do ritual. Talvez por isso pouca gente tenha dado atenção à mulher magrinha, baixa, de óculos escuros, que abriu o portão do crematóriopara agradecer a presença dos fãs. Os adolescentes suados, que tinham virado a noite no Caju, fizeram um cordão de isolamento em torno de Maria do Carmo Manfredini, mãe de Renato. Cheguei perto dela aproveitando as cotoveladas de um gordo alto no resto da galera, mas poucos conseguiram uma carona igual. Não se pode esperar palavras coerentes de uma mãe que acaba de perder o filho de Aids - e um filho jovem, inteligente e carinhoso com a família. Mas dona Maria do Carmo disse várias. Começou respondendo minhas perguntas óbvias sobre as canções inéditas do grupo. Emocionada sem chegar ao desespero, negou a Aids anunciada pelo médico Saul Betsche, alegando que o filho tinha morrido de anorexia nervosa, mas falou espontaneamente que Renato tinha desistido de viver. E fez isso dando voz ao filho morto, reproduzindo os diálogos que tinha com ele: "Júnior, vai jogar bola, vai namorar" Ele ria baixinho e dizia: "Não adianta, mãe, eu sou diferente". Não estava falando mais do compositor controverdito, depressivo, transformado em mito da noite para o dia. Revelava o garoto tímido da Ilha do Governador, que se dizia ateu, mas era devoto de São Judas Tadeu e morreu com uma medalha de Nossa Senhora Aparecida no peito. Explicava que o garoto sensível virou um adulto atormentado: "Nos últimos tempos, não cansava de repetir: 'Mãe, eu não sou daqui'. Sempre foi muito atormentado, sofria profundamente até com guerras na Conchinchina". Já era muito para quem acreditava que ia escrever um texto corrido sobre os fãs chorosos, mas tive coragem de fazer uma última pergunta: "A senhora acreditaque seu filho foi feliz?". Ela podia titubear, alegar cansaço, soltar um desaforo. Mas falou a coisa mais triste e bonita que ouvi nos últimos tempos: "É duro dizer isso, mas tenho certeza que não. Uma vez ele me disse:'Mãe, eu só fui feliz na infância"'. A coragem de Dona Maria do Carmo mostrou que a reportagem às vezes não termina no que é visto pelas frestas da parede. Emocionou fãs e alguns fotógrafos, levou um camera man às lágrimas. E me fez agradecer intimamente ao gordo alto, com suas abençoadas cotoveladas."

Dado Villa-Lobos desabafa


"Ninguém consegue imaginar a Legião sem Renato. Por outro lado, vamos cuidar para que o próximo disco e o que quer que venha a ser lançado tenha a nossa marca, o nosso jeito. Foi muito difícil conviver com o fim do nosso trabalho. O último disco foi superdoloroso e eu me defendia disso pensando que aquilo já não era mais importante para mim e nem para ninguém. Já não nos encontrávamos mais para tocar, fazer shows, nada. Só nos reuníamos para compor e gravar as canções. Para fazer discos. Acho que era a nossa forma de lidar com o fim iminente, tentar não perceber o quanto aquilo era fundamental em nossas vidas. Hoje penso que o Renato foi muito importante para o Brasil nos anos 80. Ele significou muito para todos nós. Muito mesmo. E pensar que tudo começou numa brincadeira que a gente nunca imaginou que pudesse crescer tanto. O Renato tinha um senso de humor único e, quando queria, sabia ser engraçadíssimo. Ele era jornalista e nós, estudantes. Hoje vejo que o o que nós fizemos foi realmente importante, coisa que eu não gostava de pensar ultimamente. Quem gostou do que nós fizemos tem as canções prediletas e pode ouvi-las, mas eu não tinha idéia de como iria assimilar tudo isso. O que é que eu vou fazer? Tô com preguiça até de jogar bola."

Entrevista


Nome: Renato Manfredini Junior
Apelido: Junior
Data e local do nascimento: 23/03/60, Rio de Janeiro
Data de falecimento: 11/10/96
Mãe e Pai: Maria do Carmo e Renato
Irmãos: uma, Carmem Teresa Manfredini
Filho: Giuliano Manfredini
Signo: Áries
Formação: Jornalismo, em DF
Altura e Peso: 1,74m, 65 Kg
Algo no corpo o incomoda? "Minha saúde. Foram 15 anos de droga- adicção".
Parte do corpo de que mais gosta: "Cérebro. E também adoro as minhas mãos".
Cuidados com o corpo: "No momento, manter-me longe do alcoolismo já é um milagre".
A que horas dorme e acorda: "Vou dormir às sete da manhã e acordo meio-dia.
De dia, não faço nada, porque o mundo está acontecendo".
Propriedades: "Só o meu apartamento".
Símbolo sexual: "O Leonardo, da seleção. Eu acho ele um gatinho".
Primeiro beijo: "Aos 9 anos, com a minha namorada nos EUA. Achei a coisa mais nojenta". Primeira transa: "Foi num carro, aos 17"
Lugar mais esquesito onde fez amor: "Embaixo do telhado, no vão da caixa d'água"
Melhor lugar para fazer amor: "Um lugar onde a gente se sinta mais seguro".
Fantasia não realizada: "Ganhar o Oscar".
Homens são: "Bobos, que nem cachorro".
Mulheres são: "Misteriosas que nem gato".
O que te seduz? "Espírito, bondade, desejo".
O que te broxa? "Estupidez, pretensão".
Melhor cantada: "Do Scott, em Nova York, num bar gay. Vi aquele menino loirinho, cara de estivador, vindo na minha direção! Pedi um cigarro, ele disse: Não!. Saiu. Voltou com um maço novinho pra mim. Ficamos juntos dois anos".
Pior cantada: "Gosta de mulher mas também gosto de viado! Vá a merda!".
Última pessoa que levaria para cama: "Paulo Francis"
Maior maldade que já fez: "Não admitir que as pessoas se preocupavam comigo".
Maior mentira que já contou: "Só mentiras bobas. Aqui, eu não falei toda a verdade". Arrependimento: "Não conhecer a programação dos doze passos na época do Scott".
Palavra preferida: "Essência".
Palavra que mais usa: "Eu".
Canção: "I Get Along Without You Very Well"
Compositor preferido: "Bob Dylan".
Livro: "Sonetos, Shakespeare".

Discografia




Como tudo começou...


O grupo Legião Urbana foi formado em 1983 após a separação do grupo punk Aborto Elétrico, formado por Renato Russo em 1978 e que ainda contava com Fê Lemos (Capital Inicial), André Pretórius, Ico Ouro Preto e Flávio Lemos (Capital Inicial). Nesse meio tempo, pós Aborto e antes de formar a Legião, Renato fez várias canções como cantor solo, que mais tarde se tornariam grandes sucessos da Legião. A primeira formação da Legião foi com Renato Russo (baixo e vocais), Marcelo Bonfá (bateria), Eduardo Paraná (guitarra) e Paulo Paulista (teclados).Em meados de 1983, saíram Eduardo Paraná e Paulo Paulista. Ico Ouro Preto que já havia tocado com Renato, assumiu a guitarra por um certo tempo e foi substituído por Dado Villa-Lobos em 83. A banda começa então a tocar em festivais fora de Brasília e um dos lugares que deu maior projeção ao grupo foi o Circo Voador, no Rio de Janeiro. Nesses shows, o ‘set list’ era composto por muitas músicas da época do Aborto Elétrico, como ‘‘Que País é Esse” , “Geração Coca-Cola”, “Química” etc.Herbert Vianna, amigo de Renato Russo, havia conseguido um contrato com a EMI no fim de 83 com o seu grupo, Os Paralamas do Sucesso, e no álbum “Cinema Mudo”, gravou a música “Química”, da Legião. O diretor artístico da gravadora, Jorge Davidson se interessou pela canção e pediu a Vianna que chamasse Renato para uma conversa. No fim do ano eles gravaram a primeira demo, no Rio de Janeiro.Saiu então o primeiro LP Legião Urbana, que já trazia sucessos como “Será”, “Ainda é Cedo” e “Geração Coca-Cola”. Os shows ficaram famosos por terem um comportamento totalmente anti-pop e pela postura de Renato que não permitia “bagunça” durante as apresentações. Após o álbum “Dois”, o mais vendido de toda a carreira, a Legião quase terminou, pois Russo já estava irritado com os objetos que eram atirados no palco e todos os integrantes estavam estressados com as turnês. Quando essa fase difícil passou, a banda começou a trabalhar no repertório do terceiro disco “Que País é Esse”.Esse álbum rendeu a eles a consolidação da banda no rock nacional, mas também trouxe à banda complicações como o tumulto em um show em Brasília, em junho de 1988. A partir daí, inicia-se uma nova fase para a banda. Com a saída de Renato Rocha, Renato e Dado revezam-se no baixo na gravação do próximo trabalho em estúdio, intitulado “As Quatro Estações” de 1989. As letras, além das críticas sociais, tratam de AIDS, romantismo e homossexualismo.No final de 1990, Renato Russo, que passava por diversos problemas de saúde devido a dependência alcoólica, descobre que é soropositivo, interrompendo assim a turnê. Após essa pausa, foi lançado no final de 1991, o álbum “V” (cinco), com uma temática mais pessimista e temas como drogas e a crise do país. Em janeiro de 1992, o grupo gravou o “Acústico MTV”.A turnê desse álbum foi interrompida em setembro de 1992 por novas complicações de saúde de Russo. Parte do material ao vivo da banda entrou para a coletânea “Música Para Acampamento”, lançada ainda em 1992. No início de 1993, Renato começou um tratamento intensivo contra a dependência química e em dezembro de 1993, foi lançado o álbum “O Descobrimento do Brasil”, trazendo um som mais diversificado com a inclusão de instrumentos novos como o bandolim, cítara e o dobro.Logo após esse disco, Renato gravou um álbum solo. Já de volta ao Legião, começou a compor as letras para o próximo álbum, mas sentia-se cada vez mais enfraquecido devido a sua doença. Seu estado de saúde piorou muito durante as gravações, atrasando o lançamento do disco. Em 21 de setembro de 1996, saiu o último álbum da banda, “A Tempestade (ou o Livro dos Dias), e Renato se isolou em seu apartamento, dando apenas algumas raras entrevistas.No dia 11 de outubro de 1996, Renato Russo faleceu. Segundo a versão dos médicos e da imprensa, vítima de AIDS. O fim da Legião Urbana foi então anunciado no dia 22 de outubro pelos parceiros Dado e Marcelo, acompanhados pelo empresário da banda, Rafael Borges.Depois disso, ainda foi lançada a coletânea “Mais do Mesmo”, “Acústico MTV” e o duplo ao vivo “Como é Que Se Diz Eu Te Amo”, registrado na turnê de “O Descobrimento do Brasil”, em 1994, no Rio de Janeiro.Após dez anos da morte de Renato Russo, o líder da Legião Urbana ainda é homenageado em música, teatro e cinema. Os demais integrantes da banda seguiram em carreira solo.

Biografia


Renato Manfredini Júnior nasceu no Rio de Janeiro em 27 de março de 1960, filho do economista Renato Manfredini, funcionário do Banco do Brasil e de Dona Maria do Carmo, professora de inglês. Ele aprendeu inglês desde pequeno, quando morou, dos 7 aos 10 anos, em Nova York. Nova transferêcia do pai levou o menino, já com 13 anos, a Brasília que tanto marcou sua música. Renato teve uma infância e adolescência de classe média alta, típica do pessoal das bandas de Brasília. Entre os 15 e os 17 anos enfrentou várias operações e viveu entre a cama e a cadeira de rodas, combatendo uma doença óssea rara chamada epifisiólise.
Em 78, inspirado pelo Sex Pistols, Renato formou o Aborto Elétrico, que no vai e vem de integrantes, contou com participações de Fê e Flavio Lemos (depois do Capital Inicial), Ico Ouro Preto e André Pretorius. Em 82 abandonou o Aborto Elétrico e passou a fazer trabalhos solos. Neste período ficou conhecido como "O Trovador Solitário". Quando a lendária "cena de Brasília" já era uma força underground reconhecida, Renato Russo formou a Legião Urbana com Marcelo Bonfá, Eduardo Paraná e Paulo Paulista. Um ano depois, Paraná e Paulista deixavam a banda e entrava Dado Villa-Lobos.
Quando Renato Rocha se juntou a banda em 84, a Legião Urbana já havia se apresentado diversas vezes em Brasília, notadamente nos célebres shows no Circo Voador, no Rio de Janeiro e no Napalm, em São Paulo. O sucesso de seus shows levou rapidamente a um contrato com a EMI-Odeon. No primeiro dia do ano seguinte saiu o primeiro álbum, Legião Urbana, que emplacou os hits "Geração Coca-Cola", "Ainda é Cedo" e "Será".
Com seus refrões poderosos e letras que falavam de inseguranças emocionais e do niilismo da geração crescida durante o regime militar, a Legião Urbana bateu fundo nos anseios dos jovens brasileiros. A receita foi aperfeiçoada no álbum seguinte, Dois, melhor tocado, melhor gravado e mais elaborado. Sucessos como "Eduardo e Mônica" e "Quase Sem Querer" falavam uma língua que qualquer jovem urbano brasileiro dos anos 80 podia entender e se identificar.
Dois consolidou Renato Russo como um dos maiores popstars do país. Já na turnê desse segundo disco, começou a aparecer o Renato Russo estrela: seus shows incluíam discursos pregadores (o adjetivo "messiânico" aparecia em nove entre dez matérias sobre o grupo) e um alto consumo de drogas e álcool.
Em 1987 sai terceiro álbum, Que País É Este, gerando hits como "Faroeste Caboclo", e mais uma turnê nacional abarrotada. Em 89, sai As Quatro Estações que inaugura a fase mais madura da banda, tanto no som, menos pop, como nas letras, abordando assuntos como AIDS e homossexualismo. Em "Meninos e Meninas", Renato sugere bissexualidade. Logo depois, numa história entrevista à revista Bizz, Renato confirmava o fato.
V, lançado em 91, veio carregado de uma tristeza que refletia a instabilidade emocional-psicológica vivida por Renato. A turnê que se seguiu teve que ser interrompida devido ao seu precário estado de saúde.
O Descobrimento do Brasil, de 93, acabou sendo o último disco da banda (A Tempestade, é um disco solo de Renato com participações de Dado e Bonfá). A partir de Descobrimento, Renato deu vazão a seus projetos solo e lançou The Stonewall Celebration Concert e Equilíbrio Distante.
O primeiro, cantado em inglês, foi homenagem ao grande amor de sua vida que morreu de overdose. Renato faz então seu disco mais militante ao som o orgulho de ser gay, ao som de covers da Broadway e Madonna. Stonewall é o nome de um bar nova-iorquino onde, num célebre acontecimento em 69, gays se rebelaram contra a ação política. Equilíbrio Distante traz Renato interpretando canções de música italiana, uma das manias recentes do cantor.
Renato era HIV positivo desde 1990, mas nunca assumiu publicamente a doença. Desde a época de "Descobrimento do Brasil", Renato andava recluso e arredio e evitava a imprensa. As suspeitas se comprovaram em 11 de outubro de 1996 com sua morte por broncopneumopatia, septicemia e infecção urinária - consequências da AIDS -, pesando só 45 quilos.